top of page

Cristina Almeida Ribeiro

 Centro de Estudos Comparatistas, FLUL

“António Ramos Rosa, um poeta em diálogo”

 

No Verão de 1994, sob o título “Méditations métapoétiques: poèmes alternés”, o número 132/133 da revista Colóquio/Letras dava a conhecer uma pequena parcela de um exercício de escrita a quatro mãos, desenvolvido ao longo de mais de um ano e protagonizado por António Ramos Rosa e Robert Bréchon. Pelo prefácio deste último ao conjunto de quinze poemas então divulgados – oito em francês, sete em português – ficava a saber-se do bilinguismo como regra imposta ao diálogo e do projecto, então adiado, de publicação de um livro “inteiramente bilingue”. Nove anos passaram até esse livro vir a lume e só então esta expressão ganhou pleno sentido. De facto, não sendo o diálogo poético inédito na obra de Ramos Rosa – iniciara-o, ao menos com conhecimento público, em 1988, escrevendo com Casimiro de Brito o livro Duas Águas, um Rio, publicado no ano seguinte, e prosseguira-o dialogando com Agripina Costa Marques  e Carlos Poças Falcão em Rotações (1991) e também com Agripina e com António Magalhães em O Centro Inteiro (1993) –, o trabalho tinha como novidade a prática da tradução como parte do intercâmbio entre os dois poetas, cada um dos quais compunha os seus poemas na própria língua e para ela traduzia os textos do outro, dispondo-se no livro, como é de regra em edições desta natureza, os textos primeiros nas páginas pares e os textos de chegada nas páginas ímpares.  Gerando cada novo texto duas respostas de índole diversa, o princípio da poesia alternada tornava-se mais complexo e proporcionava, a par da leitura vertical da sequência de 146 poemas inscritos nas páginas pares do livro, em singular alternância não apenas de vozes mas também de idiomas, duas outras leituras, também sequenciais mas ambas ziguezagueantes, buscando, na sucessão de poemas, a reconstituição do tradicional monolinguismo — francês, no movimento iniciado da esquerda para a direita, português, no movimento executado em sentido inverso; de um lado, a voz de dois poetas em directo, do outro lado, a voz de um deles em directo, no duplo papel de autor e tradutor, e a do outro através da mediação tradutória. Precisamente por isso, sem deixar de ter em consideração outros casos de poesia em diálogo em que Ramos Rosa interveio, a presente comunicação centrar-se-á no livro bilingue que coroou “quarenta anos de amizade poética franco-portuguesa”, buscando em todos, mas sobretudo neste último, a corroboração de uma ideia expressa pelo poeta em carta de 1993 a Maria Teresa Dias Furtado: “Uma das coisas mais belas da vida é o encontro, porque nele redescobrimos a nossa identidade e fortalecemo-la.”

Cristina Almeida Ribeiro, professora do Departamento de Literaturas Românicas e investigadora do Centro de Estudos Comparatistas (FLUL), tem-se dedicado sobretudo, nos últimos anos, ao estudo da poesia peninsular quatrocentista e ao da narrativa breve e brevíssima, e publicado textos como “Entre sueños y tisanas: microrrelato y metaficción en Ana María Shua y Ana Hatherly” (M. López et al., org., Literaturas e Culturas em Portugal e na América Hispânica: Novas Perspectivas em Diálogo, Húmus, 2014), “¿O que foi e nom é, tanto é como nom seer? Consideraciones en torno al rol de la memoria en el Cancioneiro Geral” (V. Dumanoir, ed., De lagrymas fasiendo tinta… Memoria, identidades y territorios cancioneriles, Casa de Velázquez, 2017) e “Vox, auctoritas y vox ficta: Juan de Mena en el Cancioneiro Geral” (Crítica Hispánica, 39.2, 2017). Com Helena C. Buescu, Mª Graciete Silva e Simão Valente coordenou a II parte da antologia Literatura-Mundo Comparada: Perspectivas em Português (O Mundo Lido: Europa, Tinta da China, 2018) e com Miguel Filipe Mochila e Ângela Fernandes, uma antologia de contos hispânicos (As Pequenas Histórias, Cavalo de Ferro, 2018).

bottom of page