Helena Costa Carvalho
CLEPUL, FLUL
“A boca trémula do poema: criação poética e risco em António Ramos Rosa”
No ensaio “Para quê poetas?”, publicado em Caminhos de Floresta (1950), Heidegger, motivado pela questão lançada por Hölderlin na elegia “Pão e Vinho”, “para quê poetas em tempo indigente?”, e inspirado pela leitura da poesia de Rilke, assevera: “Os que arriscam mais são os poetas, mas poetas cujo canto vira o nosso desamparo para o aberto”. Esta relação entre poesia e risco surge como um tópico relevante, quer na filosofia do fenómeno poético que se faz no século XX, e que tem em Heidegger um dos seus maiores vultos, quer na chamada “poesia moderna”, na medida em que esta parece responder à advertência do filósofo alemão segundo a qual era chegado o tempo de o poema se constituir como “um ensaio de meditação poética”. Comungando deste pressuposto da poesia moderna e tendo em Heidegger o pensador que mais marcou o seu percurso poético, conforme afirma numa entrevista concedida à revista Das Artes e das Letras em 1989, António Ramos Rosa realizou — num trânsito contínuo entre a poesia e o ensaio — uma meditação profunda sobre o risco implícito na escrita do poema. É, pois, sobre tal meditação que nos deteremos, procurando, num primeiro momento, sinalizar a presença de tal tópico em alguns pensadores do século XX cujas vozes parecem ecoar na escrita do poeta português, e, num segundo momento, aclarar a relação poema-risco que emerge na obra do poeta algarvio quando este fita a “boca unida e firme / e trémula / do poema” (Boca Incompleta, 1977).
Helena Costa Carvalho é, desde 2017, bolseira de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, preparando uma tese sobre a obra de António Ramos Rosa no âmbito do doutoramento em Estudos Portugueses e Românicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É investigadora integrada do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CLEPUL). Licenciada em Filosofia pela Universidade de Coimbra (2005), pós-graduada em Poética e Hermenêutica pela mesma universidade (2006) e mestre em Filosofia pela Universidade de Lisboa (2013), com uma dissertação intitulada "Filosofia e Literatura: O sentido e a medida de uma relação possível em Maurice Blanchot e Paul Ricoeur". Tem apresentado comunicações e publicado ensaios, no país e no estrangeiro, nos âmbitos da filosofia da literatura e da literatura contemporânea. Coordena a Comissão Organizadora do Congresso Internacional “António Ramos Rosa: Escrever o Poema Universal” (BNP, 17-19 de Outubro de 2018).