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Maria João Fernandes

AICA — Associação Internacional de Críticos de Arte

"A poesia de António Ramos Rosa: Acordes do Grande Livro do Mundo"

Uma aproximação da poesia de António Ramos Rosa (1924-2013) a partir de um diálogo de várias décadas e de uma decifração da sua obra que acompanhou e inspirou a minha crítica de arte e a minha própria obra poética. Um diálogo do qual ficou o testemunho numa correspondência, espécie de autorretrato ainda inédito onde se plasmam algumas das principais coordenadas da sua vida e da sua arte. O atual percurso na sua poesia decorre de uma abordagem realizada em 1990 para uma publicação em Le Courrier du Centre International d’Études Poétiques de Bruxelas, uma Homenagem que então pretendia ser um apoio a uma possível proposta para o Prémio Nobel. Este estudo representa uma digressão nos seus principais livros para definir a natureza extraordinária da sua muito particular aventura poética, como simultânea expressão do Sagrado, do Cosmos e do humano, na sua complexidade e amorosa empatia com o enigma que lhe preside. Vocação ontológica que se revela através do jogo de imagens e de símbolos que nascem dos seus sonhos e da sua imaginação criadora, proposta de uma transformação do mundo, no seu melhor sentido que é o de conferir ao Ser o espaço da sua liberdade (Gilbert Durand). Reflexão sobre o discurso interminável do poeta, rio de palavras que nasce de um magma ardente, do mar vertiginoso que está na sua origem, “mãe, matriz, matéria” (Três Lições Materiais), onde se perfila o que ainda não tem nome e busca uma forma, “uma formulação que seria a própria pulsação do informulado” (Clareiras). Ao entrar na sua poesia entramos no domínio do desconhecido: “a leveza é a exata leveza do desconhecido que respira através de mim, comigo” (Clareiras), onde os sinais são ícones do mistério que nos falam com o mesmo acaso, com o mesmo imprevisto que os liga aos ícones do mundo e simultaneamente com o mesmo rigor de uma ordem oculta. Reflexão sobre a sua linguagem, ténue fio que na sua beleza e no seu terror nos introduz no dédalo dos aspetos, numa floresta de fogo, num incêndio onde se consomem os rostos quotidianos das coisas e dos seres. Caracterização de um espaço de incerteza, onde as respostas são outras perguntas: “que resposta que não seja a pergunta e a sombra dela?” (A Pedra Nua em Respirar a Sombra Viva) e onde uma única pergunta poderia resumir toda a angústia, o desejo de penetrar a opacidade fundamental do espaço e do conhecimento: “deixamos a segurança e a certeza ante o arco da única pergunta (Gravitações). Será possível despertar? (Clareiras). Onde é que o mundo brilha? (Acordes), perguntas que refletem o desejo de um espaço inicial, de um secreto esplendor, de um brilho do mundo no seu começo, de uma “unidade límpida, central, feliz” (Boca Incompleta), da harmonia do amor, da coincidência do corpo e do espaço, do corpo e de um outro corpo, do corpo e da palavra. Esplendor entrevisto, perdido, sempre perseguido.

Maria João Fernandes, Crítica de arte (AICA — Associação Internacional de Críticos de Arte), Mestre em História de Arte, pela FLUP, ensaísta e poeta, tem vindo a desenvolver desde o início do seu percurso em 1975 um diálogo com a obra de arte, incrementado no âmbito da sua atividade na Fundação de Serralves, Museu de Arte Contemporânea do Porto, onde foi responsável por publicações, grandes exposições e Colóquios internacionais. Colaboradora permanente do Jornal de Letras Artes e Ideias, quase desde a sua origem e até à atualidade, fez parte de diversos júris de Prémios de Artes Plásticas em Portugal e em Espanha. Como assistente universitária, nomeadamente de disciplinas como “Literatura e Mito" e “Literatura e Artes Plásticas” (Faculdade de Letras de Lisboa), dedicou-se ao estudo da antropologia do imaginário, dos grandes arquétipos e dos mitos fundadores que estão na origem tanto da literatura, como das artes plásticas, duas expressões sempre presentes na sua reflexão e na sua escrita. Entre 1982 e 1987 exerceu em Paris na Universidade de Paris X, Nanterre, as funções de leitora de língua e literatura portuguesas. Desde 1996 notabilizou-se pela defesa nacional e internacional da arquitetura Arte Nova portuguesa. A projeção internacional da arte e da cultura portuguesas sempre foi uma sua prioridade. Como membro da secção portuguesa da AICA, participou nos Congressos internacionais da Grécia (1984) e de Macau (1995). Em junho de 2018 estará presente como crítica convidada no Congresso de Críticos de Arte de Madrid. Comissariou diversos Colóquios e exposições de dimensão internacional, entre as quais se salientou recentemente a mostra Pintores Poetas e Poetas Pintores, Poesia e Visualidade no Século XX em Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, Paris, 2013. O tema da relação escrita-pintura tem especial importância na sua obra e dedicou-lhe já um livro: Caligrafias a Nascente dos Nomes e três exposições. Em 2009 foi proposta para o Prémio Pessoa, o mais alto galardão em Portugal para a cultura, por Emília Nadal, então Presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes e por Eduardo Lourenço. Em 2014/2015 a Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa) e o Museu Municipal de Coimbra realizaram a grande exposição da sua obra de crítica de arte e de poesia e da sua coleção de arte contemporânea: Maria João Fernandes 40 anos de Arte e Crítica de Arte.

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