Rosa Alice Branco
ID+ Research Institute for Design, Media and Culture
“O diálogo intertextual como correspondência livre”
Nos termos de Ramos Rosa, ser plural é ser em diálogo com a alteridade relativa à própria identidade. Trata-se de uma outridade extensa, alargada, que se constitui como primeiro destinatário da Poesia, inserida na actualidade, no sentido que lhe confere Alfred North Whitehead, de uma duração que abrange a ressonância do passado, o presente e o futuro imediato, como concrescência. Esta actualidade poética integra a alteridade, mais autêntica do que a identidade-em-si, e realiza-se enquanto exploração de textualidades e da apropriação destas, no sentido fenomenológico do termo.
A operação íntima de apropriação referida, convocando uma pluralidade de escritas na sua própria escrita, dá-se, em primeiro lugar, no texto do outro-de-si — este já um ser de confluência textual — e flui para a torrente dos poemas. Neste sentido, a escrita é sempre pluralmente cúmplice, mas no caso de Ramos Rosa pode apresentar singularidades pontuais e recorrentes, de modo que esta mesma cumplicidade recebe nomes sobre o inominado da cumplicidade “actual”.
Esta actualidade é o correlato de um aspecto ímpar da Poética de Ramos Rosa, em que cada coisa, sendo ela própria, participa também do ser de outras coisas, fenómeno que foi tematizado pelo antropólogo Lévy Bruhl.
No seu livro: Poesia, liberdade livre, António Ramos Rosa considera que radica na carência de ser a vontade de superação deste hiato, o que, por sua vez, origina no poeta a apetição de se encaminhar para a transfiguração no outro. Coloca-se, assim, em acto a “metamorfose no outro” que se cumpre na “imaginação poética”, aqui, sinónimo de poema”. Neste contexto, o tema da Comunicação “O diálogo intertextual como correspondência livre“ centra-se na leitura de um livro por outro, que vai de encontro à ideia de Ramos Rosa de que um poeta é um ser “com”, e “para” os outros. Mais especificamente, debruço-me sobre a generosa correspondência do seu livro A imobilidade fulminante (1998) com o meu livro A mão feliz (1994), considerando o poeta (na “Introdução” deste seu livro) que os dois livros devem considerar-se como um todo, provido de unidade.
Os vários diálogos poéticos em que Ramos Rosa esteve envolvido significam a experiência poética de um ser em demanda do outro-de-si e abrindo-se aos outros, fundindo-se com eles na cumplicidade dos versos, expandindo uma Poética que, na sua essência, aponta para o universo e amplifica-se até como correspondência livre.
Rosa Alice Branco é doutorada em Filosofia Contemporânea. Enquanto investigadora e docente, dedica-se à Neuropsicologia da Percepção e à Estética, tendo 3 livros de ensaio publicados, um dos quais no Brasil. Tem 12 livros de poesia publicados em Portugal, incluindo a sua obra poética reunida Soletrar o Dia (2002). O seu primeiro livro, Animais da Terra, veio a lume em 1988. No estrangeiro, a autora tem livros de poemas publicados nos USA, em Itália, Brasil, Suíça, Luxemburgo, Québec, Tunísia, Espanha, Venezuela (obra reunida) e Córsega, além de poemas publicados em Revistas, em quase todas as línguas. Na editora Escrituras, em S. Paulo, onde tem 2 títulos publicados, co-organizou e co-prefaciou a selecção de poemas Animal Olhar, de António Ramos Rosa, de 2005. Em 2016, o seu livro de poemas Cattle of the Lord foi publicado nos USA pela Mlkweed editions, tendo sido considerado, pela Chicago Review of Books, um dos 10 melhores livros do mês. Em 2018, depois de uma digressão com leituras e debates em várias universidades dos USA, o seu livro de poemas Traçar um nome no coração do branco é publicado pela editora Assírio & Alvim.