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Susana Vieira

 CLEPUL, FLUL

“Ramos Rosa e Velho da Costa: se no silêncio, a criação de um mundo significativo? — Aprender uma forma de vida”

o corpo respira a luz uterina

o pudor do silêncio

 

Pode o silêncio, esse mundo infigurável em somado estado genesíaco de aparição, afirmar o “vazio enquanto lugar da aparição da forma”, revelando-se ele o intervalo que entrecorta a respiração da linguagem? Nem por isso de menos força e vigor, precisamente pela imagem sugerida...?

O texto de Velho da Costa é um Corpo verde que se inaugura nesse silêncio-suspensão, fazendo surgir, pela semente da palavra em construção, o outro do ser-em-si, i. e., o seu lado indeterminável e indizível, nesse traço diáfano de um mundo significativo onde, pela mesma evidência, pousam os olhos de silêncio e a série “Corpo a corpo” de Ramos Rosa.

Ambos os textos são corpos em movimento que de cada um se aproximam, primeiro pelo estranhamento incitado, depois pelo reconhecimento, que não é, todavia, mais sereno ou menos perturbador. Na aproximação que coreografam, ensaiam, pela subtileza da palavra e o branco que há nela antes de ser força multiplicadora, relações fluidas e tão líquidas quanto “uma subtil encarnação do desejo ou o frémito de um corpo desejante”. Em linguagem nua e aberta, revelam-se e determinam-se fragmento de qualquer possibilidade.

Recusando dogmas e fórmulas, os textos-carne vibram na intensidade da palavra livre, até que o ser se consuma a si mesmo, absorvido pela quase impercetível saliência da página e unindo-se ao mundo de modo mudo. A matéria torna-se algo imponderável, e o ser exponencia a sua invisibilidade desvelando-se, afinal, apenas sensação, superfície tocada, ponto de vista de um outro (o próprio?), uma forma de vida, surgindo do vazio ou indiciando a “formação do vazio”. A partir d’“o silêncio, que faz da palavra uma falha aberta ao real”, os corpos encontram-se e os devires acontecem.

Por fim, nessa ânsia de prolongar a impressão do desejo, dócil ou pungente, resgata-se a palavra na “circulação porosa” que estabelece com o silêncio, sabendo-se assim que o essencial de uma sensação reitera-se nos dedos suados do texto em pele, despido, aberto, deslumbrado. Ficando a palavra água no chão onde o desejo se fez.

Susana Vieira é doutoranda em Estudos Portugueses — especialização em Estudos de Literatura (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa), colaboradora no Projeto "Dobra" (Instituto de Estudos de Literatura e Tradição/FCSH-UNL), investigadora integrada no Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e revisora editorial. 

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